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Primeiro estado americano a descriminalizar drogas vive crise de sem-teto



Bruna Komarchesqui
13/06/2023 às 19h:14



Dois anos depois de ser o primeiro estado norte-americano a descriminalizar o porte de pequenas quantidades de drogas pesadas, o Oregon vem amargando a expansão de crimes contra a propriedade (que cresceram 16% entre janeiro e outubro do ano passado, em comparação com o mesmo período do ano anterior), além de um problema de difícil solução que assola boa parte da Costa Oeste do país: a crescente taxa de pessoas sem-teto. No ano passado, eram quase 18 mil cidadãos sem residência no estado, sendo que pelo menos 11 mil deles dormiam nas ruas, segundo estatísticas oficiais do governo.

Lonas, barracas, bicicletas e recipientes de comida são cenas comuns nas vias públicas de Portland, maior cidade do Oregon. E longe de ser combatida, a situação estaria sendo incentivada por ativistas, que estão “plantando” barracas vazias nas ruas do município, segundo uma reportagem publicada nesta semana pela Fox News.

“Esta é uma tenda vazia erguida por ativistas para encorajar as pessoas a viverem em tendas”, denunciou o conselheiro antidrogas Kevin Dahlgren. Com 27 anos de atuação na área, ele afirma que a cidade está usando uma “abordagem band-aid” para a crise. “Quando você não está realmente ajudando nas soluções permanentes, os velhos sem-teto ficam lá e os novos sem-teto entram e tudo cresce”, disse à publicação.

Dahlgren aponta que cerca de 80% dos moradores de rua de Portland têm um histórico de dependência química. Nesse contexto, o trabalho de organizações sem fins lucrativos com essa população tem foco no que chamam de “redução de danos”, o que consiste na distribuição de seringas, cachimbos e naloxona, uma substância para reverter a overdose.

Um morador de rua identificado como Anthony, que estava sóbrio no momento da abordagem do conselheiro, afirmou que, com a descriminalização, o uso de drogas se tornou uma norma nas ruas de Portland e dessensibilizou as pessoas. “Eles usam drogas na frente dos policiais, que não fazem nada”, contou.

Com o uso generalizado de fentanil (opioide usado como medicação para dor, que tem cerca de 100 vezes a potência da morfina), a cidade tem visto crescer as estatísticas de overdose e de crimes contra a propriedade. "Eu não roubo de lojas, tento manter tudo legal da melhor maneira possível. Eu, pessoalmente, apenas mendigo", disse Josh, de 33 anos, à Fox News. Nenhum dos abordados pela reportagem relatou ter sido encorajado a fazer tratamento para dependentes químicos ou a encontrar uma forma de sair da rua.

"Eles não oferecem a solução de sobriedade ou de recuperação", disse Dahlgren, analisando a abordagem de Portland para o problema. "Você está dando a uma pessoa que já carece de pensamento crítico e de pensamento racional os meios para continuar a usar, e isso é uma loucura para mim. E às vezes parece realmente desumano", criticou.

“Campos de concentração” 

A situação vem impactando a imagem política de dirigentes, como o democrata Ted Wheeler, prefeito de Portland. Para manejar o problema, ele propôs a criação de uma série de acampamentos para sem-teto, removendo-os das vias públicas, medida que dividiu opiniões, durante audiência pública no ano passado.

De um lado, Wheeler recebeu apoio de setores imobiliários, que relataram estar perdendo negócios, depois que possíveis compradores viram pessoas morando nas ruas perto dos empreendimentos.

Entre os que criticaram a ideia de criar grandes “campings” para que os sem-teto possam montar suas barracas, enquanto são progressivamente obrigados a deixar os locais públicos, está a professora Kristin Teigen, da Universidade Estadual de Portland. Ela comparou a solução da prefeitura ao plano de internamento de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. “Esses líderes estavam respondendo a uma pressão política significativa, como tenho certeza de que todos vocês estão hoje”, comparou.

“Estou aqui para me opor à proposta do prefeito de prender moradores de rua em campos de concentração”, completou Jonathan Cobb, gerente da Transition Projects, organização que trabalha na transição de pessoas das ruas para uma habitação em Portland. “É tão fácil para você tratar aqueles que não têm nada como lixo que precisa ser varrido. Não faz diferença haver uma assistente social com uma prancheta lá. Continua sendo um sistema cruel e violento, e você, senhor, tem sangue em suas mãos”, criticou.

Drogas e crime 

Em 1º de fevereiro, a Medida 110, que tornou o Oregon o primeiro estado americano a descriminalizar o porte de drogas como heroína, cocaína, metanfetamina e oxicodona (analgésico opioide como o fentanil) para uso pessoal, completou dois anos de implantação. A legislação transforma a posse de pequenas quantidades em uma infração equiparável às de trânsito, com uma multa leve, que pode ser abonada, caso a pessoa concorde em ligar para um serviço telefônico e obter ajuda.

Uma pesquisa da Administração de Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias, no entanto, mostrava que, no ano passado, o estado continuava a sofrer uma das piores taxas de dependência química não tratada do país, perdendo cinco pessoas por dia para o álcool e uma ou duas para overdoses de drogas. De acordo com o levantamento, cerca de um em cada cinco residentes do Oregon lutava contra o vício.

As multas por posse destinadas a incentivar a busca de tratamento não têm sido eficazes. Até agosto do ano passado, a maioria das 3.169 multas emitidas foi ignorada, segundo a justiça estadual, ou seja, os infratores não as pagaram nem compareceram ao tribunal. Menos de 200 pessoas entraram em contato com a linha direta estadual, estabelecida para ajudar com tratamento pessoas autuadas por posse de drogas.

“Por um lado, temos drogas altamente viciantes que estão amplamente disponíveis e, por outro, pouca ou nenhuma pressão para parar de usá-las”, avalia Keith Humphreys, professor de psicologia da Universidade de Stanford. “Sob essas condições, devemos esperar ver exatamente o que o Oregon está experimentando: uso extensivo de drogas, dependência extensiva e pouca procura de tratamento”, conclui.

Outra reação à Medida 110 foi o aumento de crimes em todas as categorias, como roubos e violência armada, com traficantes lutando por territórios. De acordo com a polícia, Portland (onde o crime cresce mais dramaticamente do que a média estadual) vem batendo recordes de assassinatos nos últimos dois anos: foram 101 homicídios em 2022 e 92 em 2021; antes disso, o ano mais violento havia sido 1987, com 70 pessoas assassinadas na cidade.

Mais da metade dos sem-teto está na Califórnia 

A população sem-teto já ultrapassava meio milhão de pessoas, no ano passado, nos Estados Unidos, de acordo com o Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano do país. Segundo o levantamento, enquanto 60% deles contam com locais protegidos, como abrigos de emergência ou programas habitacionais transitórios, outros 40% dormem na rua, em prédios abandonados ou outros locais impróprios para habitação.

Entre a população norte-americana que passa a noite na rua, metade está na Califórnia (mais de 170 mil pessoas). O documento também mostra que seis das dez cidades com as maiores populações sem-teto dos EUA em 2022 eram californianas.

Depois de mais de uma década da esquerda no poder, barracas e lonas em calçadas, parques e viadutos se tornaram um dos símbolos da crise do estado, antes considerado o lugar mais cobiçado da América. O problema tem desafiado líderes políticos democratas, como o governador, Gavin Newsom, e prefeitos, que enfrentam pressões para limpar acampamentos e expulsar moradores de rua dos espaços públicos.

Na cidade de Sacramento, por exemplo, a prefeitura vem adotando uma postura mais rígida, ao proibir acampamentos de sem-teto em ambientes públicos, “para apagar os sinais mais visíveis de falta de moradia”, segundo relata o site Politico.

“A aplicação da lei tem seu lugar”, declarou o democrata Darrell Steinberg, prefeito da cidade que já supera San Francisco em desabrigados (são 5 mil contra 4,4 mil). “Acho que é certo que as cidades digam: 'Sabe, há certos lugares onde simplesmente não é apropriado acampar'”, defendeu.

Críticos têm apontado que a “limpeza” de acampamentos anunciada pelo governo estadual (segundo Newsom,1,2 mil deles foram encerrados em 2021) não passam de “manobras políticas cosméticas que essencialmente trocam o problema de uma esquina para outra”. Isso porque, sem a disponibilidade de lugares para abrigar toda a população de rua, os sem-teto acabam voltando a montar suas barracas e lonas a poucas quadras de onde foram removidos.